sexta-feira, 7 de novembro de 2008

História do Direito e Antropologia Jurídica

Direito, Estado Moderno e a Ascensão do Capitalismo

O surgimento dos Estados Modernos e expansão comercial marítima

Portugal

No século XIV, mais precisamente no ano de 1385, Portugal conseguiu expulsar os árabes do seu território, tornando-se assim o primeiro país europeu a ser totalmente unificado e com controle real: existia uma política centralizada nas mãos do soberano, um código de leis válido em todo o território português e um exército nacional.
Possuindo território bastante reduzido, o plano português era o de se expandir graças a conquistas de colônias. Assim, o infante D. Henrique, filho de D. João I de Portugal e da rainha Filipa de Lencastre, tendo recebido sólida formação política, militar e literária, após conquistar, em 1415, a cidade de Ceuta, situada no Norte da África, resolveu deixar a corte e em 1416 fundou uma vila perto de Sagres, onde mandou construir estaleiros e arsenais. Além disso, trouxe também alguns dos mais notáveis cartógrafos, navegadores e astrônomos da época. Embora esse grupo tenha sido chamado de “Escola de Sagres”, nunca existiu como estabelecimento de ensino.
Gradativamente, as descobertas lusitanas foram acontecendo: Madeira (1419), Açores (1431), Cabo Verde (1460) e, bem mais tarde, Brasil (1498, com Duarte Pacheco Pereira; 1500, oficialmente, com Pedro Álvares Cabral), China (1527) Japão (1542). Tais fatos possibilitaram Portugal tornar-se, à época, um dos países mais avançados e poderosos do mundo.

Espanha

Ao contrário de Portugal, a Espanha enfrentou mais dificuldades no seu processo de unificação política. Houve a necessidade de unificar os reinos de Leão, Aragão, Navarra e Castela, além do casamento entre o rei de Aragão, Fernando, e a rainha Isabel de Castela. Depois, os árabes foram expulsos do califado de Granada, em 1492.
Somente neste ano é que os espanhóis partiram para o seu projeto de expansão comercial marítima, quando acabaram por chegar à América, através da expedição de Cristóvão Colombo. Contudo, o maior êxito espanhol foi a viagem de circunavegação de Fernão de Magalhães e Sebastião Elcano, realizada entre 1518-1521.

O Direito o e o comércio marítimo

As descobertas marítimas do século XVI terminaram por alterar o papel cultural e econômico do mar Mediterrâneo para o desenvolvimento econômico da Europa. A partir daí, tivemos o crescimento da economia de países como Portugal e Espanha, beneficiados pela rota do Atlântico. Com isso, houve a necessidade de um direito codificado sobre o comércio marítimo, de tal modo que pudesse dar segurança às relações jurídicas, antes fundamentadas em um direito fragmentário, baseado em costumes.
Em 1674, o ministro francês Colbert, no reinado de Luís XIV, redigiu um documento que enfatizou os atos de comércio e, posteriormente, compilou os costumes marítimos presentes nos portos do Atlântico e Mediterrâneo.

A invenção da máquina a vapor e as transformações sociais e econômicas.

Poucas invenções foram tão importantes para a história da humanidade como a máquina a vapor. Primeiro dispositivo capaz de transformar o calor em energia mecânica com eficiência suficiente para substituir a tração animal, pode ser considerado uma das grandes responsáveis pela revolução industrial, ocorrida a partir do século XVIII.
Embora tenha sido sugerida pelo filósofo Heron de Alexandria seu trabalho Pneumática, por volta de 130 a.C., somente em 1769 a máquina a vapor como nós conhecemos hoje foi patenteada por James Watt. Utilizada em larga escala, provocou o fim das oficinas artesanais e das manufaturas de fábricas e dando espaço para o surgimento das fábricas.
Com o advento da invenção, profundas transformações econômicas e sociais verificaram-se tanto no seu berço, a Inglaterra, como no centro-oeste da Europa e posteriormente Estados Unidos. Isto conferiu à essas regiões a sua supremacia sobre as demais nações do mundo que estavam à margem do processo, em virtude do mecanismo de acumulação de capital inerente ao capitalismo moderno.
As conseqüências gerais da revolução industrial foram:

a) Urbanização rápida e intensa;
b) Progresso das regiões industriais em relação às rurais.
c) Incremento do comércio interno e internacional
d) Aperfeiçoamento dos meios de transporte;
e) Crescimento demográfico;
f) Redistribuição da riqueza e do poder.
Além dos fatos acima relacionados, é preciso lembrar que o movimento fez surgir a classe do proletariado industrial. Proletariado é a classe social desprovida de meios de produção que vende sua força de trabalho para assegurar a sobrevivência. Caracteriza-se pela dependência econômica em relação aos proprietários dos meios de produção, a burguesia, classe antagônica do proletariado.
Com a aglomeração do proletariado nas grandes cidades onde se concentravam as fábricas, foi possível o surgimento de um movimento organizado de defesa dos interesses da classe. No século XIX, este movimento lutaria pelo que hoje chamamos de “direitos trabalhista e previdenciário”, como a jornada nas fábricas e amparo nos casos de acidentes de trabalho.

A ascensão da burguesia e a queda do Antigo Regime

A Revolução Francesa, em 1789, possibilitou à chegada da burguesia ao poder, acabando com o Antigo Regime. Tal fato provocou mudanças significativas no campo jurídico. No tocante ao direito civil, ainda na França, o direito romano entrou em declínio, muito embora este tenha se fortalecido na Alemanha. Quanto ao direito comum, de natureza consuetudinária, cuja base é o corpus iuris civilis na forma interpretada pelos juristas medievais, este dominou e vigorou na França até o século XIX, enquanto na Alemanha até o início do século XX.
Houve a preocupação, ainda, em estatuir leis para o futuro, de maneira que fossem garantidos os princípios revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade, formulados na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” (1789). Em 1804, surgiu o Código Napoleônico, que influenciou na elaboração das leis de diversos países em todo o mundo, uma vez que se funda nos princípios individualistas da liberdade contratual, da propriedade como direito absoluto e da responsabilidade civil fundada na culpa provada pela vítima.
A codificação napoleônica lançou as bases do direito privado moderno. Foi o primeiro trabalho científico de codificação, com a matéria sistematizada, classificada, com normas precisas e claras. Foi influenciada pelos direitos romano e canônico.
No âmbito do direito constitucional, no século XVIII, o documento jurídico mais importante é a Constituição norte-americana (1787), que instituiu o presidencialismo como forma de governo e o federalismo como forma de Estado. Embora surgido na América do Norte, é de inspiração Iluminista, que acabaria influenciando, mais tarde, diversos países do mundo.

Bibliografia:
ENCICLOPÉDIA BARSA.
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense. 1996.
PINHEIRO, Ralph Lopes. História Resumida do Direito. 4ª ed. Rio de Janeiro: Thex. Ed. Biblioteca Estácio de Sá, 1993.


Dos Delitos e das Penas

Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, nasceu em Milão, Itália, em 1738 e morreu em 1794.
Quando jovem, estudou em Paris, tendo tomado conhecimento do movimento filosófico-humanitário francês. Sua obra, Dos Delitos e das Penas, foi publicada anonimamente em 1764, tendo despertado enorme interesse por preconizar um novo sistema de Direito Penal, pregando a supressão da tortura, da pena de morte, do confisco, da instrução criminal secreta, etc.
Antes de escrever sua obra, Beccaria adquiriu conhecimentos capazes de torná-lo sóbrio e equilibrado na emissão de seus conceitos. Fez leituras de D’Alembert e Diderot (idealizadores da Enciclopédia), Montesquieu e Rosseau, todos escritores e filósofos franceses.
Temendo represálias, a sua obra foi impressa secretamente, em Livorno. Ela toma por base do direito de punir a utilidade social, declarando a pena de morte inútil e reclama a proporcionalidade das penas ao delito.
O sistema jurídico vigorante no tempo de Beccaria era confuso e ultrapassado. Ele próprio retrata isso no prefácio de sua obra:

“Alguns fragmentos da legislação de um antigo povo conquistador compilados por ordem de um príncipe que reinou há 12 séculos em Constantinopla, combinados, em seguida, com os costumes dos lombardos e amortalhados num volumoso calhamaço de comentários obscuros constituem um acervo de opiniões, que uma grande parte da Europa honrou com o nome de leis...”

O pensamento de Beccaria adotava uma visão penalista muito ampla. Claro que os avanços da ciência e da própria sociedade não puderam ali constar, uma vez que foram próprios dos seus tempos, como o livramento condicional, a suspensão condicional da pena, a violação da correspondência, etc. Mesmo assim, menos de meio século após a sua morte, a obra de Beccaria já influenciava o direito em várias partes do mundo, como o Código Penal Francês e o Código Criminal do Império do Brasil.
A obra de Beccaria operou uma verdadeira revolução branca, sem tiros, sem canhões, feita pela força das suas idéias expostas com precisão, com objetividade, com clareza e coragem, as quais antes de atacar a autoridade em seu fundamento, a combatia em seus excessos, que são visíveis.
Ele defendeu o princípio de que somente as leis podiam fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais é próprio da pessoa do legislador, que represente toda a sociedade, por um contrato social.
Defendia, também, o princípio de que as provas de um delito poderiam distinguir-se em provas perfeitas e provas imperfeitas. As provas perfeitas eram as que demonstravam positivamente que é impossível que o acusado fosse inocente. As provas imperfeitas eram quando não excluíssem a possibilidade da inocência do acusado.
Posicionava-se contra a tortura nos interrogatórios, por motivos óbvios: um acusado robusto resistiria a essa dor para evitar a condenação, enquanto que um acusado fraco logo confessaria o crime para não sofrer mais. Além disso, defendia que um cidadão deveria ficar detido apenas o tempo necessário para a instrução do processo e os mais antigos detidos tinham o direito de serem julgados em primeiro lugar.
Sobre a pena de morte, divergia sobre o entendimento de que o homem poderia degolar o seu semelhante. Admitia a pena de morte somente em casos de confusão em que a nação fica na alternativa de recuperar ou perder a sua liberdade.
Beccaria defendeu a proporcionalidade das penas aos delitos. “Se dois crimes que atingem desigualmente a sociedade recebem o mesmo castigo, o homem inclinado ao crime, não tendo que temer uma pena maior para o crime mais monstruoso, decidir-se-á mais facilmente pelo delito que lhe seja mais vantajoso...”. E concluía: “Para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei”.
O livro de Beccaria tornou-se universalmente conhecido, se constituindo leitura obrigatória para os estudiosos do Direito.

Bibliografia:
PINHEIRO, Ralph Lopes. História Resumida do Direito. 4ª ed. Rio de Janeiro: Thex. Ed. Biblioteca Estácio de Sá, 1993.


As Constituições Brasileiras

A Constituição de 1824

Embora ainda sendo Reino Unido a Portugal e Algarves, a idéia de uma Assembléia Constituinte para elaborar uma Carta Magna para o Brasil data de junho de 1822, ou seja, antes do “Grito do Ipiranga”. Entretanto, dado aos problemas de comunicação e, também, a dimensão continental do território brasileiro, eis que os trabalhos só foram iniciados em junho do ano seguinte, quando o Império do Brasil já fora formado.
Mesmo com a proclamação da independência, ocorreram focos de resistência em alguns pontos do país. Além disso, os deputados não confiavam plenamente em D. Pedro I, uma vez que este mostrava sinais de interesse na restauração do poder absolutista da monarquia portuguesa e, na condição de herdeiro da Coroa, poderia interessar-se pela idéia do Reino Unido Brasil – Portugal.
O anteprojeto constitucional apresentado pela Assembléia colocava o Imperador submisso ao parlamento. Diante disso, D. Pedro I dissolveu-a em março de 1824 e, diante disso, convocou o seu Conselho de Estado, incumbindo-o da elaboração da Constituição, em substituição àquela apresentada anteriormente, sendo outorgada em 25 de março de 1824.
Em rápidas palavras, podemos dizer que a primeira constituição brasileira dizia ser o Brasil um país livre e independente, com um governo monárquico hereditário, constitucional e representativo, sendo o catolicismo a religião oficial. Instituía quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador, sendo este último próprio do Imperador, que possuía poderes para convocar e dissolver a Câmara dos Deputados.
Estabeleceu, também, a organização de um Código Criminal, aprovado em 1830, tendo como fonte próxima o do Estado da Louisiana (EUA). Em 1832, veio o Código de Processo Criminal. Por outro lado, continuaram em vigor as Ordenações Filipinas de 1603 e atos legislativos posteriores que não tivessem sido revogados até 25 de abril de 1821, data em que D. Pedro passara a ser Príncipe Regente.
Sob a égide dessa Carta Magna, tivemos ainda o Código Comercial, datado de 1850. Em 1851, o Governo Imperial contratou um jurista, o baiano Augusto Teixeira de Freitas para “consolidar toda a legislação civil pátria”. Isto porque a legislação civil no Brasil era bastante confusa, uma vez que existiam preceitos da legislação portuguesa combinada com o Direito Romano, trabalho que ficou pronto em 1857, recebendo o nome de Consolidação. Nela, Freitas pôs fim aos princípios fundamentados ainda no Antigo Regime e que não mais se aplicavam em um regime democrático como, por exemplo, a restrição dos direitos civis apenas aos cidadãos brasileiros.
Diante da positiva repercussão do seu trabalho, em 1859 o Governo Imperial encarregou o mesmo jurista a elaborar o Projeto do Código Civil. Este trabalho foi elaborado entre 1860 a 1865, contendo 4908 artigos e que recebeu o título de Esboço. Submetido ao Conselho de Estado em 1868, o Esboço foi bastante elogiado, tendo sido, porém, rejeitado pelo Governo em 1872.
O trabalho de Teixeira de Freitas, contudo, não foi em vão. O jurista Velez Sarsfield, à época trabalhava na elaboração do Código Civil Argentino. Diante da amizade que desfrutava com o jurista brasileiro, não hesitou tomar o Esboço como base de seu trabalho, onde cerca de 1/3 do texto do Código Civil daquele país foi transcrito da obra de Freitas. Somente em 1916 é que o Brasil teria o seu Código Civil, redigido pelo professor da Faculdade de Direito do Recife, o cearense Clóvis Bevilácqua.
A primeira constituição vigoraria até o fim da Monarquia, em 1889.

A Constituição de 1891

Esta constituição, ao contrário da primeira, foi promulgada. Ficou acertado, conforme ocorrera no documento anterior, que as leis do antigo regime, no que não fosse contrário explícita ou implicitamente ao sistema de governo firmado pela constituição que estava entrando em vigor naquela oportunidade e pelos princípios nela consagrados. Assim, as ordenações Filipinas do Reino de Portugal continuaram até 1917, quando passou a vigorar o Código Civil.
Podemos destacar que nesta Lei Magna da nossa história houve a adoção da forma de governo, sob regime representativo, da República Federativa e, ainda, a determinação de que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, seriam independentes e harmônicos entre si.
Houve, também, o surgimento do nosso segundo Código Penal e do Código Civil, conforme já falamos antes. Após, uma revisão em 1926, esta Carta Magna vigorou até 1930, quando se institucionalizou a Revolução de 1930.

A Constituição de 1934

Após a revolução de 1930, quando o Brasil foi dirigido por um Governo Provisório, teríamos a terceira Constituição, promulgada em 16 de julho de 1934. Ela fez voltar, basicamente, o mesmo sistema previsto na Constituição de 1891.
Embora com alguns avanços, como a extensão do voto às mulheres, eis que ela teve vida curta, uma vez que chegou ao fim com o golpe de 1937, quando Vargas fechou o Congresso Nacional e impôs nova Carta Política, inaugurando um período que duraria até 1945.

A Constituição de 1937

O regime do Estado Novo, instaurado pela Constituição de 1937 em pleno clima de contestação da liberal-democracia na Europa, trouxe para a vida política e administrativa brasileira as marcas da centralização e da supressão dos direitos políticos. Foram fechados o Congresso Nacional, as assembléias legislativas e as câmaras municipais. Os governadores que concordaram com golpe do Estado Novo permaneceram, mas os que se opuseram foram substituídos por interventores diretamente nomeados por Vargas. Os militares tiveram grande importância no novo regime, definindo prioridades e formulando políticas de governo, em particular nos setores estratégicos, como siderurgia e petróleo. Em linhas gerais, o regime propunha a criação das condições consideradas necessárias para a modernização da nação: um Estado forte, centralizador, interventor, agente fundamental da produção e do desenvolvimento econômicos. Por todas essas características, muitos identificaram Estado Novo e fascismo.
Após o fim da II Guerra Mundial, eis que o Governo Vargas foi deposto em 29.10.45. Com a redemocratização do País, houve a convocação de uma Assembléia Constituinte em 1946, que elaboraria nova carta constitucional.

A Constituição de 1946

A Constituição de 1946 consagrou as liberdades já expressas na Constituição de 1934, que haviam sido suprimidas pela Carta Magna de 1937. Assim, voltaram todos a ter igualdade perante a Lei. Houve o retorno da liberdade de manifestação de pensamento, sem censura, exceto nos casos de espetáculos e diversões públicas.
Ficaram asseguradas a inviolabilidade do sigilo de correspondência, a liberdade de consciência, de crença e de exercício de cultos religiosos, a associação para fins pacíficos e a garantia da inviolabilidade da casa como asilo do indivíduo. A prisão só poderia ser feita em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente, além de ser assegurada ampla defesa do acusado.
A Constituição de 1946 vigorou, formalmente, até que sobreviesse a Constituição de 1967. Contudo, a partir do golpe que se autodenominou Revolução de 31 de março de 1964, sofreu múltiplas emendas e suspen­são da vigência de muitos de seus artigos. Isto aconteceu por força dos Atos Institucionais de 9 de abril de 1964 (posteriormente considerado como o de nº. 1) e 27 de outubro de 1965 ( Ato Institucional nº. 2 ou AI-2).
A rigor, o ciclo constitucional começado em 18 de setembro de 1946 encerrou-se a 1º de abril de 1964, com quase 18 anos de duração.

A Constituição de 1967

Em outubro de 1966, o Congresso Nacional foi fechado, só reabrindo para aprovar a Constituição de 1967 e eleger o candidato único Marechal Costa e Silva para a Presidência da República. A Constituição de 1967, originária de projeto elaborado pelo Governo, foi aprovada praticamente sem discussões, em janeiro de 1967, com regras determinadas pelo Ato Institucional n.º4, de dezembro de 1966. Ao suspender a edição de Atos Institucionais, trazia em seu bojo grande parte do autoritarismo dos mesmos, mal chegando a ser posta em prática, rapidamente atropelada por novos Atos Institucionais.

A Emenda Constitucional de 1969

Em 17/10/1969 a Constituição Brasileira sofreu profundas alterações em decorrência da emenda constitucional n. 1, outorgada pela junta militar que assumiu o Poder no período em que o Presidente Costa e Silva encontrava-se doente. Para considerável parte da doutrina, na verdade, a EC n. 1 de 1969 trata-se na verdade de nova Constituição, como expende o professor José Afonso da Silva,
Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil.
As três principais alterações promovidas pela citada emenda constitucional foram o estabelecimento de eleições indiretas para o cargo de Governador de Estado, a ampliação do mandato presidencial para cinco anos e a extinção das imunidades parlamentares. Além disso, foram referendados todos os Atos Institucionais do Governo Revolucionário.

A Constituição de 1988

Em 27 de novembro de 1985, através da emenda constitucional n. 26, foi convocada a Assembléia Nacional Constituinte, com a finalidade de elaborar um novo texto constitucional que expressasse a nova realidade social, a saber, o processo de redemocratização e término do regime ditatorial.
Assim, em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da Republica Federativa do Brasil, a qual tratou de assegurar princípios e objetivos fundamentais que tem a finalidade de possibilitar o integral desenvolvimento do ser humano, tendo como base o principio da dignidade da pessoa humana. (CF, art. 1º a 4º).
Trata-se de um documento moderno, embora o Estado ainda não tenha assegurado, por diversas razões, condições para o seu efetivo exercício.

Bibliografia:
PINHEIRO, Ralph Lopes. História Resumida do Direito. 4ª ed. Rio de Janeiro: Thex. Ed. Biblioteca Estácio de Sá, 1993.
Sites da Internet:
www.cpdoc.fgv.br
www.dhnet.org.br/
www.senado.gov.br
www.vemconcursos.com/

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM

Legislação Internacional Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

I - Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão, considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades, considerando que uma compreensão comum desses direitos e é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, a Assembléia Geral proclama A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob jurisdição.

Artigo 1 - Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo 2 -
1. Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo 3 - Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4 - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos estão proibidos em todas as suas formas.

Artigo 5 - Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo 6 - Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Artigo 7 - Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos tem direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8 - Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo 9 - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10 - Todo o homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo 11 -
1. Todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituiam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo 12 - Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação. Todo o homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo 13 -
1. Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo o homem tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo 14 -
1. Todo o homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em casos de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo 15 -
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo 16 -
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, tem o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo 17 -
1. Todo o homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo 18 - Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo 19 - Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.

Artigo 20 -
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21 -
1. Todo o homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo o homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo 22 - Todo o homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indipensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

Artigo 23 -
1. Todo o homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo o homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo o homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como a sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo o homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo 24 - Todo o homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Artigo 25 -
1. Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à seguranca em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo 26 -
1. Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnica profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo 27 -
1. Todo o homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de fruir de seus benefícios.
2. Todo o homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo 28 - Todo o homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo 29 -
1. Todo o homem tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo o homem estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outros e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo 30 - Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer direitos e liberdades aqui estabelecidos.

Fonte: http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/integra.htm


ANTROPOLOGIA JURÍDICA

Antes de entrarmos na área da Antropologia Jurídica, é preciso que entendamos, inicialmente, o que é antropologia.
O termo tem a sua origem no grego anthropos (homem) e logos (razão). É a ciência centralizada no estudo do homem, que procura conhecer não o ser humano em sua totalidade, mas as divergentes culturas que o homem produziu e constantemente é produzido por ela.
Por meio de tal definição, esta ciência alcança um um tríplice aspecto:

1. Ciência Social: propõe conhecer o homem enquanto elemento integrante de grupos organizados.
2. Ciência Humana: volta-se especificamente para o homem como um todo: sua história, suas crenças, usos e costumes, filosofia, linguagem etc.
3. Ciência Natural: interessa-se pelo conhecimento psicossomático do homem e sua evolução.

Relaciona-se, assim, com as chamadas ciências biológicas e culturais; as primeiras visando o ser físico e as segundas o ser cultural.

Os campos de estudo da Antropologia

Conforme foi visto, a ciência antropológica é comumente dividida em duas esferas principais: a antropologia biológica (ou física) e antropologia cultural (ou social). Cada uma delas atua em campos de estudo mais ou menos independentes, pois especialistas numa área freqüentemente consultam e cooperam com especialistas na outra área.
A antropologia biológica é geralmente classificada como uma ciência natural, enquanto a antropologia cultural é considerada uma ciência social. A antropologia biológica, como o nome já indica, dedica-se aos aspectos biológicos dos seres humanos. Busca conhecer as diferenças ditas raciais e étnicas, a origem e a evolução da humanidade. Os antropólogos desta área de conhecimento estudam fósseis e observam o comportamento de outros primatas.

A antropologia cultural dedica-se primordialmente ao desenvolvimento das sociedades humanas no mundo. Estuda os comportamentos dos grupos humanos, as origens da religião, os costumes e convenções sociais, o desenvolvimento técnico e os relacionamentos familiares. Um campo muito importante da antropologia cultural é a lingüística, que estuda a história e a estrutura da linguagem. A lingüística é especialmente valorizada porque os antropólogos se apóiam nela para observar os sistemas de comunicação e apreender a visão do mundo das pessoas. Através desta ciência também é possível coletar histórias orais do grupo estudado. História oral é constituída na sociedade a partir da poesia, das canções, dos mitos, provérbios e lendas populares.
A antropologia cultural e biológica conectam-se com outros dois campos de estudo: a arqueologia e a antropologia aplicada. Nas escavações, os arqueólogos encontram vestígios de prédios antigos, utensílios, cerâmica e outros artefatos pelos quais o passado de uma civilização pode ser datado e reconstituído.
A antropologia aplicada, com base nas pesquisas realizadas pelos antropólogos, assessora os governos e outras instituições na formulação e implementação de políticas para grupos específicos de populações. Ela pode, em certa medida, ajudar governos de países em desenvolvimento a superarem as dificuldades que as populações destes países enfrentam no embate com a complexidade dos fluxos civilizacionais do século 21. E pode também ser usada pelos governos na formulação de políticas sociais, educacionais e econômicas para as minorias étnicas no interior de suas fronteiras. O trabalho da antropologia aplicada é freqüentemente desenvolvido por especialistas nos campos da economia, da história social e da psicologia.
Pelo fato da antropologia explorar amplo conjunto de disciplinas, investigando diversos aspectos em todas as sociedades humanas, ela deve apoiar-se nas pesquisas feitas por estas outras disciplinas para poder formular suas conclusões. Dentre as disciplinas mais afins encontramos a História, Geografia, Geologia, Biologia, Anatomia, Genética, Economia, Psicologia e Sociologia, juntamente com as disciplinas altamente especializadas como a lingüística e a arqueologia, anteriormente mencionadas.

FONTES:
Sites da Internet.


Aspectos históricos da Antropologia no Campo do Direito

No contexto histórico, o interesse da antropologia pelo universo das leis e sua aplicação na solução dos conflitos é algo relativamente recente, ocorrendo após a Segunda Guerra Mundial. Seguindo a mesma metodologia empregada em outros contextos antropológicos, os primeiros objetos de estudos da antropologia foram as sociedades tradicionais ou ditas primitivas, onde foram analisadas as normas legais que as regiam e de como eram aplicadas para a resolução de conflitos ou disputas.
Desse modo, ao estudar as chamadas “sociedades sem Estado”, sem instituições formais como o Poder Judiciário, onde os seus integrantes fazem uso da tradição oral, uma vez que as leis não são documentadas, o antropólogo se vê na obrigação a identificá-las “em ação”. Isto significa dizer que ao observar a mediação e a resolução dos conflitos, ali surgem os mecanismos de contenção e ordenação social. Assim, encontramos o foco principal da antropologia jurídica: o estudo de processos (meios), e em particular os processos de acordo de disputas.

A Antropologia no campo do Direito

Sob o aspecto formal, é possível classificar a pesquisa antropológica no campo do Direito em três categorias. São elas:

a) Antropologia Legal: é o campo mais antigo e tradicional da antropologia no Direito, que compreende os estudos desta ciência em sociedades simples.
b) Antropologia Jurídica: refere-se aos estudos que fazem uso das técnicas de pesquisa da antropologia e seu repertório teórico para estudar as instituições do Poder Judiciário e do universo do direito com a polícia, as prisões ou as cortes.
c) O “Direito Comparado”: constitui um campo de atuação para o antropólogo, uma vez que exige o exercício do relativismo cultural próprio da disciplina.

Conceito

A Antropologia Jurídica, podemos assim conceituar, é uma área da Antropologia Social ou Cultural, voltada ao estudo das categorias que perpassam o saber o saber jurídico, ou seja, seus mecanismos de produção, reprodução e consumo. Busca, portanto, identificar, classificar e analisar as formas como o “campo” jurídico é organizado.

Fontes:
www.scielo.br


ALGUNS PROBLEMAS DE ANTROPOLOGIA JURÍDICA NO BRASIL

O Brasil oferece ao antropólogo legal e jurídico um incomparável laboratório de pesquisas em todas as áreas da teoria e da filosofia do direito. O Brasil é, social e culturalmente, um dos países mais complexos da terra. No norte e no oeste, ainda há povos indígenas, embora em número cada vez menor. O nordeste e partes das regiões rurais do sul e do centro do País ainda são fundamentalmente de natureza econômica agrária, com formas distintas de organização social que abrangem desde camponeses livres e possuidores de terras até as fazendas tradicionais. Na região sudeste, notadamente em São Paulo, encontra-se o maior complexo industrial da América do Sul, cuja influência estende-se cada vez mais ao interior.
Além disso, o Brasil é uma terra de contradições jurídicas dramáticas, não apenas nos duros conflitos entre classes sociais, mas também entre as próprias organizações. É uma terra com uma elite jurídica altamente desenvolvida, com fortes elementos progressistas, cujas leis, cuidadosamente elaboradas, são muitas vezes alteradas ou completamente ignoradas in praxis; onde a magistratura primorosamente instruída é, às vezes, totalmente ignorada pela aristocracia rural e pela Policia urbana, que freqüentemente determinam suas próprias leis. Quase todas as formas de estrutura legal e de problemas jurídicos imagináveis podem ser encontrados neste imenso País.
Talvez o mais importante de se observar ao exame da sua organização e história jurídicas é que o Brasil foi sempre dominado por uma pequena aristocracia estritamente ligada a interesses externos. O Brasil, diferentemente do México ou do Peru, não é um genuíno Estado de conquista. Caso fosse, seria mais fácil examiná-lo legalmente, simplesmente analisando a estrutura jurídica dos povos conquistados, como fez Laura Nader (Law in culture and society, 1969) com os Zapotecas do México. O Brasil, entretanto, não foi “conquistado” no mesmo sentido. Os indígenas, dominados e escravizados pelos primeiros colonos vindos de Portugal, demonstraram pouca resistência às doenças trazidas da Europa e às guerras de conquistas empreendidas contra eles. Assim, o nativo não forma uma classe de camponeses enquanto maioria da população agrícola, como ocorre no México, no Peru e em muitos países da América Central. O Brasil praticamente não tem camponeses nativos.
Em face da “destruição” dos povos nativos e da subseqüente falta de mão-de-obra agrícola, a solução encontrada por Portugal foi procurar trabalhadores na África. Mais escravos foram enviados para o Brasil do que para qualquer outro país: quatro milhões, quase 40% do total de negros importados para as Américas. Os africanos, contudo, não eram trazidos como colonos livres, porém como escravos, sem direito algum. Assim, com raras exceções, eles não puderam recriar suas comunidades nativas de vida agrária no “novo mundo”; eram forçados a trabalhar em fazendas.e plantações comerciais, cujo produto destinava-se à exportação. Algum alimento era produzido nas fazendas para consumo interno, mas a vila de camponeses independentes pode ser encontrada somente no sul do Brasil, e mesmo nessa região tinha importância marginal em relação a outras operações comerciais, como a mineração e a lavoura cafeeira.
Desde o início da colonização portuguesa, portanto, o direito no Brasil era uma questão essencialmente particular. Os grandes produtores comerciais, isto é, os donatários de Pernambuco e São Vicente e, posteriormente os fazendeiros de açúcar do nordeste, governavam em grande parte seus pequenos domínios como feudos particulares. A maior parte da população indígena e de escravos africanos tivera sua própria língua e cultura arrebatadas, sob o comando imediato da classe fazendeira.
O Estado existente, o Império Português Ultramar, demonstrava muito pouco interesse na execução da lei no interior do imenso território. A Coroa portuguesa, como pode ser visto nas Ordenanças Filipinas, estava interessada, principalmente, em elaborar regras para garantir que os impostos e direitos aduaneiros fossem pagos, e na formação de um cruel e elaborado código penal para se prevenir de ameaças diretas ao poder do Estado. Portugal não tencionava trazer justiça ao povo ou mesmo prestar os serviços mais elementares a sua colônia. Essa desvinculação entre o Estado e a população é um tema constante na história brasileira..O direito que existia era o dos coronéis, as leis da elite agrária, que eram basicamente uma forma do direito consuetudinário português do século XVI. É certo que nas cidades, como em Salvador e no Rio de Janeiro, havia juízes formados, saídos da Escola de Coimbra; ouvidores e desembargadores, alguns dos quais bem-afamados, porém, no geral, estavam mais interessados em proteger seus próprios interesses e os do governo real do que os direitos do povo. A estrutura do Estado era fundamentalmente neo-feudal e patrimonial, com o poder de fato nas mãos das grandes famílias de fazendeiros. A maior parte da população não tinha voz no governo nem direitos pessoais. Eram escravos, objetos de comércio. Havia um sistema de repressão constante que somente podia ser sustentado porque a classe dominante, através de seus vínculos comerciais com a Europa, podia manter a força militar e comprar as armas necessárias para controlar a população. No Brasil, ocorreram numerosas rebeliões de escravos, porém o Estado pôde sempre eliminá-las, ao menos nas cidades e nas áreas de plantação. Entretanto, o que realmente ocorreu foi uma constante fuga de escravos das fazendas para o interior, onde criaram pequenas comunidades africanas - os quilombos, ou se misturaram aos indígenas, ou mesmo aos mulatos, descendentes de portugueses e escravos africanos. Ao longo dos séculos, grandes áreas do Brasil central foram povoadas com estas pequenas comunidades rurais, em grande parte excluídas das leis das cidades e da economia nacional e internacional, o que se deu notadamente em Minas Gerais e São Paulo, onde a economia de extração de ouro desenvolveu uma série de sociedades agrícolas secundárias para prover alimentação e animais de carga às minas. Essas sociedades ainda permaneceram depois do colapso da indústria da mineração do ouro, sendo desenvolvida então uma cultura camponesa extensiva em toda a região. Esta camada social, denominada caipira ou cabocla nas várias regiões do Brasil, também possuía uma elaborada cultura legal, baseada no direito consuetudinário português, talvez com alguns elementos nativos e africanos, porém que tinha pouco a ver com a estrutura jurídica formal do governo (v. Shirley, O fim de uma tradição, 1977).
Com a instituição do Império em 1822, o padrão legal do Brasil foi dramaticamente modificado. Pela primeira vez, o País tinha um governo que era brasileiro. Entretanto, este governo imperial defrontou-se com um problema que logo se evidenciou: construir um Estado que pudesse durar num País que era uma mistura de culturas,, de sociedades e de famílias aristocráticas que tinham vínculos econômicos e sociais com vários países da Europa.
A experiência imperial foi interessante e, do ponto de vista da formação do Estado, teve certo êxito. O governo imperial, principalmente sob D. Pedro II, conseguiu criar um Estado que, pelo menos, manteve unificado um País imenso. A experiência falhou porque o governo foi incapaz de criar uma nação legítima e unida a partir dos muitos fragmentos de poder que aqui existiam.
Não obstante, o governo imperial trabalhou inteligentemente no sentido de construir um Estado que pudesse trazer alguma forma de ordem jurídica ao País. O primeiro passo foi escrever uma constituição e códigos legais para o Brasil. É interessante observar que somente o Código Penal e o Código de Processo Penal foram realmente concluídos no Império. O Código Civil teve que esperar quase mais um século. Isto mostra o desinteresse geral dos Estados agrários quanto aos problemas civis em geral.
Por outro lado, um dos primeiros atos do governo imperial de D. Pedro I foi fundar duas grandes faculdades de direito, uma em São Paulo, outra no Recife. Nisto podemos ver a tentativa consciente de construir uma burocracia estatal leal que pudesse controlar um grande Estado agrário. Num interessante trabalho de Eul Soo Pang e Ronald Seckinger (Urbanização e mudança social no Brasil, 1970), sugere-se que as escolas de direito e os bacharéis que produziram eram um confronto próximo à burocracia da China imperial. Assim, as escolas de direito eram criadas deliberadamente (como os sistemas de exames na China) para doutrinar a nova geração das famílias economicamente poderosas na ideologia e leis do governo imperial central. A formalidade rígida destas escolas era intencional. Eram designadas para doutrinar uma ideologia de Estado, não para criar um espírito critico de investigação científica. Aos bacharéis que nelas se formavam eram dados postos, como aos mandarins da China, de juizes de direito nas províncias do interior do Pais, onde deveriam ser aplicadas as leis do Estado central. Além do mais, após o serviço público no interior, esses juízes eram designados para a administração pública, como governadores das províncias e até ministros e conselheiros do Estado.
O plano deve ter funcionado. Entre 1841 e 1870, milhares de jovens aderiram à classe dos bacharéis e a escolarização em direito obteve um status que nunca tivera sob o governo português. Em geral, considerando a época e o lugar, a administração imperial foi notável pela eficiência e honestidade, num tempo em que os caudilhos egoístas dominaram a maior parte da América espanhola. De acordo com Raymundo Faoro (Os donos do poder, 1975), este foi um dos pontos altos na tentativa de construir um Estado centralizado.
Esta tentativa falhou por muitas razões. Uma delas, pelo fato de que a guerra contra o Paraguai consumiu os recursos do governo e criou uma força militar efetiva. Muito mais importante, porém, foi a natureza da economia brasileira. A origem-chave da capacidade fiscal do governo imperial não eram os impostos diretos da população, como na China, porém o rendimento obtido em impostos fixados sobre exportações de produtos agrícolas, principalmente café, e a importação de artigos manufaturados da Inglaterra e dos Estados Unidos. O governo do Império foi sustentado pela classe dos “plantadores de exportação”, especialmente os barões do café do Vale do Paraíba. Os cafezais daquela época produziam com mão-de-obra escrava. Era absolutamente inviável para o governo formar uma aliança com a classe trabalhadora, isto é, os escravos, ou executar qualquer espécie de reforma agrária sem destruir sua base fiscal. Assim, era impossível ao governo imperial do Brasil, ou, no que diz respeito ao assunto, qualquer governo depois dele, legitimar-se aos olhos da massa do povo, sem destruir a própria base econômica de sua existência. A Lei Áurea, de 1888, que aboliu a escravatura no Brasil, foi o ato mais poderoso de legitimação que o Império pôde efetuar e, ao mesmo tempo, um ato de autodestruição por parte da família imperial. Embora quando da assinatura da Lei Áurea milhares de escravos tenham deixado os campos de café do Vale do Paraíba e muitos deles ido ao Rio de Janeiro a pé para agradecer à Princesa Regente Isabel pela sua liberdade (narrado em A. E. de Taunay, História do café no Brasil, 1939-1943), no período de um ano, o governo imperial cairia, derrubado pelo mesmo exército formado nas guerras contra o Paraguai.
Essa falta de legitimidade popular atormentou o Brasil por toda sua história. Desde o estabelecimento do Império tem havido, pelo menos, três padrões de lei no País:
1) As leis formais das escolas de direito e do governo - as leis da elite urbana. Deve-se observar que através da famosa “instituição” brasileira, o “jeitinho”, a classe dirigente do País está quase que acima de qualquer lei formal.
2) As leis dos coronéis, os grandes proprietários de terra e a elite comercialmente ativa, que são muitas vezes os soberanos absolutos de suas propriedades. Este sistema está decaindo em vista da crescente dominação das cidades industriais na vida brasileira.
3) A lei popular, as leis consuetudinárias dos pequenos agricultores, agregados, camponeses, caipiras e dos pobres das zonas urbanas.
As três leis estão interligadas de algum modo, porém há uma analogia no fato de que todas têm origem na cultura legal tradicional de Portugal.
Infelizmente, só nos últimos anos têm sido feitas algumas pesquisas sobre as formas populares do direito, ainda não publicadas. Quase todos os esforços intelectuais dos estudiosos das leis brasileiras têm sido concentrados no aperfeiçoamento das leis formais dos códigos e das faculdades de direito. No Brasil quase não há uma tradição de pesquisa na antropologia e na sociologia do direito, ou seja, de como a ordem é mantida e como as disputas são decididas em locais onde a estrutura jurídica oficial é ausente; de que maneira os códigos e as instituições oficiais de direito do Estado, como a Polícia e a magistratura, realmente aplicam os regulamentos existentes nos códigos. Este interesse está surgindo agora no Brasil. Anotamos que grupos de pesquisa sobre direito existem em Recife, com Cláudio Souto e Joaquim Falcão (Sociologia e direito, 1980); no Rio de Janeiro, com Miranda Rosa (Sociologia do direito, 1970) e com Souza Santos (The law of the oppressed. Law and Society Review XII, 1:5-126, 1977), e estudos são feitos em Minas Gerais (Moura, Os herdeiros da terra, 1978); Espírito Santo (Herkenhoff, A função judiciária no interior, 1977) e Brasília (Lyra Filho, Para um direito sem dogmas, 1980, e Criminologia dialética, 1972). Quanto a uma aproximação entre as ciências sociais e o direito, está sendo levada a efeito, mas é também muito recente.
É interessante notar que o colapso do governo imperial centralizado e a subseqüente fragmentação do sistema jurídico, a Polícia e o Judiciário, entre os governos estaduais, não necessariamente significaram um enfraquecimento do governo. A política dos governadores, do presidente Campos Salles, criou condições em que os diferentes estados eram mais livres do controle do governo central do Rio de Janeiro, porém alguns estados tinham interesses e recursos para criar situações fortemente centralizadas dentro de seu próprio território. Foi o exemplo de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Estes Estados criaram sistemas policiais e judiciais fortemente centralizados e até vigorosas forças militares independentes, que podiam ser usadas para a defesa interna do governo estadual, ou no jogo complexo da política em torno da autoridade do governo federal do Rio de Janeiro, contudo permaneceram sob o controle de uma pequena aristocracia agrária, principalmente os fazendeiros de café de São Paulo e os grandes estancieiros do Sul. Apesar do estabelecimento da República e da democracia formal, as possibilidades de um governo verdadeiramente popular permaneceram mais remotas do que nunca. Tanto o governo federal como os estaduais conservaram-se ligados a uma economia que se concentrava fundamentalmente na produção agrícola de grande escala para exportação. O pequeno agricultor e o operário urbano eram ignorados.
Sob a “República Velha”, a distância entre o Estado e o povo tornou-se assombrosa. No centro, estava apenas um pequeno número de grandes famílias proprietárias de terras, geralmente fazendeiros de café, e alguns outros aristocratas rurais, fazendeiros e agricultores de Minas Gerais e outros Estados. A elite, especialmente em São Paulo, era muito rica, mesmo segundo os padrões internacionais. Construíam seus palácios nas cidades e importavam tudo da Europa e dos Estados Unidos. Seus filhos eram soberbamente educados nas escolas elitistas das capitais e mesmo no exterior. Sua prosperidade permitiu-lhes dominar completamente o sistema tanto dos governos estaduais como do federal, além da economia nacional, e efetivamente ditar leis. O norte e o nordeste foram ignorados. Nestas regiões, esperava-se que os governos locais mantivessem a ordem nas cidades e os coronéis, nas zonas rurais. A maioria dos indivíduos vivia como simples camponês, em terra que não lhe pertencia, como lavrador ou colono rural, ou nas favelas que cercavam o centro das cidades. A pobreza da população em geral era tão abjeta como em qualquer país das Américas. Os protestos eram brutalmente reprimidos: qualquer problema social era resolvido pela Polícia. Não havia paz social, embora essa ilusão seja transmitida em alguns livros de história. As rebeliões eram freqüentes em todo o País, tanto rurais como urbanas. Todas foram abafadas, algumas ceifando muitas vidas (como a de Canudos). Os rebeldes eram simplesmente classificados de “bandidos” ou “fanáticos”, embora alguns líderes populares, como o Padre Cícero, fossem incorporados ao próprio “sistema” político quando poderosos demais para serem destruídos. O Judiciário era fraco, com leis meramente decorativas, e o “direito dos coronéis” dominava o País.
A economia brasileira, entretanto, não era estagnada, ainda que as idéias do governo assim o fossem. A grande prosperidade sobrevinda das lavouras de café e de outros produtos de exportação permitiu que um grande número de modestas indústrias secundárias se desenvolvesse, principalmente no centro-sul. Indústrias têxteis, farmacêuticas e de vestuário, de beneficiamento de alimentos, todas progrediram em torno da economia de exportação central. Pelos anos de 1920, tanto São Paulo como Rio de Janeiro tinham instalações industriais de proporções consideráveis. Este processo era auxiliado pela política de implantação da mão-de-obra européia para as fazendas de café. Os italianos, alemães, japoneses e outros povos que foram importados como colonos para trabalhar nas fazendas, de início viviam na pobreza e sob opressão; porém, diferentemente dos escravos, uma vez saldadas suas dívidas, eles estariam livres. Como a economia de exportação já era em grande parte controlada pela elite tradicional, muitos desses imigrantes iniciaram suas próprias indústrias, ou foram trabalhar naquelas já estabelecidas.
O resultado foi o desenvolvimento de uma classe operária industrial. Durante a República Velha, essa parcela da população não era realmente grande, mesmo assim foi capaz de tomar o controle da cidade de São Paulo pelo menos por duas vezes. Todavia, a bem organizada Polícia estadual - a “força pública” dos fazendeiros de café - logo sufocou essas rebeliões. Contudo, subsistiu o fato social da existência de um proletariado industrial no Brasil, que era uma força a ser reconhecida e usada quando as circunstâncias o permitissem.
E as condições surgiram em 1930 com a ruptura da elite hegemônica. Quem tirou vantagem disso, utilizando-se das forças do terceiro mais poderoso Estado, o Rio Grande do Sul, foi o seu governador, Getúlio Vargas, que conquistou o governo federal do Rio de Janeiro em 1930, e o de São Paulo, em 1932.
Vargas estava muito menos interessado nos símbolos do que na realidade do poder. Apesar de ter proposto duas constituições para o País, a mais radical, a de 1937, nunca foi realmente posta em vigor. O que ele fez de fato foi romper o poder político e jurídico da velha elite proprietária de terras, federalizando as leis eleitorais e as forças policiais estaduais. Ainda mais, Vargas nacionalizou a indústria cafeeira. De maior relevo, entretanto, foi o fato de ele reconhecer explicitamente a importância do desenvolvimento industrial, estimulando os projetos industriais básicos, como a fábrica nacional de aço de Volta Redonda, e a fundação da Petrobrás. Ele também compreendeu a potencial importância política de uma classe operária industrial e esforçou-se para trazê-la sob seu controle através de leis trabalhistas federais e de tribunais do trabalho. Esse foi um velho estratagema corporativista utilizado na Itália por Benito Mussolini e totalmente tomado de empréstimo pelo Estado Novo.
Vargas foi um homem complexo e contraditório, e é difícil situá-lo como defensor de qualquer grupo ou classe. Ele daria apoio de um modo e o tiraria de outro. Contudo, uma realidade permanece: Getúlio Vargas foi, em 1952, o líder dos operários urbanos, e ainda hoje é considerado o político mais popular que o Brasil já teve.
Além disso, a ditadura Vargas rompeu economicamente o domínio paralisante da aristocracia agrária sobre o Estado. O impulso industrial que ele deu ao Brasil continuou, desde então, por todos os governos subseqüentes, liberais ou conservadores. No espaço de uma geração, São Paulo havia-se tornado o maior complexo industrial da América do Sul e crescido numa proporção espantosa. Tanto os governos populistas de Kubitschek e de Goulart, como as ditaduras militares após 1964, perceberam a importância da industrialização para o País, setor que progredia rapidamente, até ser paralisado pela crise energética, aliada a outros fatores, na metade da década de 70. Atualmente, o Brasil apresenta uma enorme disparidade entre a região centro-sul, liderada por São Paulo, altamente desenvolvida industrial e tecnologicamente, e a região nordeste, onde ainda subsiste um sistema colonial, de economia fundamentalmente agrária. Porém, tanto a agricultura como a educação não se desenvolveram de modo a oferecer um suporte adequado a uma economia industrial desenvolvida. Primeiro, porque o sistema de produção dirigido para a exportação e não para o consumo interno é ainda predominante na mentalidade dos governantes, e, segundo, porque os governos militares desde 1964 não têm apoiado o pensamento científico crítico nas escolas; e as nações industrializadas, por outro lado, beneficiam-se com esse estado de coisas, vendendo a tecnologia de que necessitamos e impedindo, assim, o desenvolvimento da comunidade científica brasileira.
Essa discussão econômica, excessivamente simplificada e breve, foi necessária como base para uma abordagem dos problemas do direito brasileiro. Como foi observado anteriormente, o Brasil nunca conseguiu construir uma nação unificada a partir do antigo Estado agrário de escravatura. É possível que o governo imperial e os estudiosos do direito do século XIX e começo do século XX tivessem consciência da situação. O constante discurso liberal no direito brasileiro e a perpétua discussão da democracia e das instituições democráticas, numa sociedade de classe virulentamente estratificada, refletem esse fato. O pensamento jurídico brasileiro é constantemente paternalista, falando sempre a respeito da educação (tutela) do povo para a democracia, porém o governo nunca oferece os recursos para realmente educar a maioria da população. A filosofia básica é ainda a do padrão agrário tradicional: um camponês desarmado, ignorante e analfabeto não é uma ameaça ao Estado. Ao mesmo tempo, há uma compreensão, um tanto esquizofrênica, de que uma tecnologia altamente desenvolvida e uma classe operária produtivamente instruída são essenciais para a criação de uma potência industrial em nível mundial. Esta classe, entretanto, não pode ser sempre impedida de ter voz ativa na política. A ação policial pode reprimir os operários que fazem desordens nas ruas, porém não tem poderes para melhorar a produção. Mas ainda não houve uma mudança maior na filosofia jurídica básica do País além das primeiras reformas de Vargas, na década de 30. A estrutura jurídica e política brasileira está meio século atrás dos setores mais desenvolvidos de nossa economia. O problema-chave é o da antiga legitimação, tão insistentemente discutida por Max Weber décadas atrás. O governo brasileiro construíu um sistema estatal sólido, mas que é quase que totalmente desvinculado da população em geral. O processo de Construção do Estado precisa agora ser seguido do processo de formação de uma nação unida e legítima. Assim, este tem que incluir todo o povo na criação e elaboração das leis e do sistema político do País.

ALGUMAS APLICAÇÕES DA ANTROPOLOGIA LEGAL E DA ANTROPOLOGIA JURÍDICA NO BRASIL

Do ponto de vista da ciência jurídica pura e da lógica técnica no elaborar as leis, o Brasil pode ser considerado um país desenvolvido. É na aplicação das leis, entretanto, que surgem os problemas; na divisão nítida entre a teoria e a.prática, que permitiu que a forte tendência liberal na filosofia jurídica brasileira (a crença na democracia, os direitos humanos básicos, a remuneração adequada para o trabalho etc.) existisse lado a lado com uma das mais elitistas e estratificadas sociedades de classe do mundo. Algumas leis no Brasil são escritas para atingir o objetivo tencionado pelo legislador ou pelo governo, e para fazer cumpri-las é montado um sistema de aplicação de leis adequado. Outras são escritas com fins de propaganda, para satisfazer oficialmente a alguns grupos de interesses; “para inglês ver”, como diz o velho ditado. Neste caso, não há providências para a execução da lei, e esta simplesmente não surtirá efeito ou, no máximo, somente sobre uma pequena minoria da população. Contudo, outras leis são aprovadas mesmo sabendo-se que na situação brasileira e com o sistema jurídico existente terão um resultado bem diferente daquele determinado. Essa lacuna entre o direito formal e o aplicado é real em todos os países, mas no Brasil alcançou proporções quase surrealistas. Os brasileiros simplesmente não acreditam na lei. Crêem, sim, numa estrutura de poder e em mediadores do poder que se movem paralelamente à ordenação formal das leis substantivas do País. A lei lá está para ser usada seletivamente: para nossos amigos, a amizade; para nossos inimigos, a lei.
É por isso que a maioria das pessoas evita tanto quanto possível a estrutura jurídica formal. Se puderem resolver suas disputas ou problemas manipulando o sistema informal, isto é, o “jeitinho” brasileiro, eles o farão. Caso contrário, geralmente sentirão receio de se aproximar do sistema formal, temendo perder de qualquer maneira, já que a verdadeira força reside na estrutura informal.
Há exceções, e estas são importantes, pois podem revelar uma nova tendência no direito brasileiro. Nós observamos em mais de uma ocasião, quando da pesquisa do papel do Judiciário nas regiões rurais do Brasil, que alguns juízes constantemente defendem os direitos legais dos pobres da zona rural, como seu direito de posse da terra, de receber pelo menos um salário mínimo, e os numerosos direitos formais que deveria ter um agregado brasileiro, porém que geralmente não são cumpridos. Qualquer juiz que faça cumprir continuamente esses direitos se legitimará aos olhos da população local. É interessante observar, todavia, que esta fé, esta legitimação, é, muitas vezes, pessoal. O juiz se torna, de certo modo, um bom patrão e como tal será logo amplamente respeitado pela população de sua comunidade. Infelizmente, ele também poderá fazer inimigos entre os importantes e ricos, que poderão prejudicá-lo na sua carreira. Mais ainda, é só recentemente que há indicações de uma legitimação além da pessoal: a legitimação da instituição.
Essa espécie de legitimação individual não se estende às grandes cidades. Numa metrópole como São Paulo, que tem várias centenas de Varas, é difícil para um juiz conhecer a população pessoalmente, e, ainda que isso fosse possível, não há nenhuma garantia de que qualquer processo particular seja encaminhado ao seu tribunal. Portanto, o tipo de legitimação jurídica que às vezes aparece nas comarcas rurais desaparece nas cidades.
Teoricamente, um dos principais papéis do Estado é trazer justiça ao povo. Citaremos um dos mais antigos legisladores, Hamurabi, no Epílogo do seu Código de Hamurabi:
“(Estas são) as prescrições de justiça, que Hammurabi, o rei forte, estabeleceu e que fez o pais tomar um caminho seguro e uma direção boa;
“Eu (sou) Hammurabi, o rei perfeito. Para com os cabeças-pretas, que Enlil me deu de presente e dos quais Marduk me deu o pastoreio, não fui negligente, nem deixei cair os braços; eu lhes procurei sempre lugares de paz, resolvi dificuldades graves, fiz-lhes aparecer a luz. ... acabei com as lutas, promovi o bem-estar do país. Eu fiz os povos dos lugarejos habitar em verdes prados, ninguém os atormentará. Os grandes deuses chamaram-me e tornei-me o pastor salvador, cujo cetro é reto; minha sombra benéfica está estendida sobre minha cidade.... Para que o forte não oprima o fraco, para fazer justiça ao órfão e à viúva, para proclamar o direito do país em Babel, a cidade cuja cabeça An e Enlil levantaram, na Esagila, o templo cujos fundamentos são tão firmes como o céu e a terra, para proclamar as leis do país, para fazer direito aos oprimidos, escrevi minhas preciosas palavras em minha estela e coloquei-a diante de minha estátua de rei do direito
“Que o homem oprimido, que está implicado em um processo, venha diante da minha estátua de rei da justiça, e leia atentamente minha estela escrita e ouça minhas palavras preciosas. Que minha estela resolva sua questão, ele veja o seu direito, o seu coração se dilate!” (Bouzon, O Código de Hamurabi, cit., p. 109-10).
A estrutura jurídica de um Estado pode ser uma força de legitimação ou um instrumento básico de repressão. Isso é verdadeiro para o Judiciário, para o Ministério Público e para a Policia. Os juizes podem trabalhar muito no sentido de resolver as disputas rapidamente e ignorar ou revogar as leis que sentirem que são contrárias aos interesses da nação como expressas na Constituição. “Para que o forte não oprima o fraco, para fazer justiça ao órfão e à viúva”, ... “para fazer direito aos oprimidos”, o papel do juiz no fundo é de legitimação. Um Judiciário que funciona só como máquina de condenação é uma negação da justiça responsiva. O juiz, como Lobo-do-Dorso-Alto, deve humanizar a lei, tal como, às vezes, faz o júri. É verdade que, na máquina estatal proposta por Kelsen, o Judiciário tem o papel altamente formal de aplicar a lei, mas isso pressupõe um Estado radicalmente democrático, e mesmo assim é muito difícil fazer leis gerais para um país complexo moderno.
Wilhelm Aubert (apud Nader, Law in culture, 1969, p. 282-302) mostra como na Noruega, uma nação pequena e unificada, o uso dos tribunais e dos advogados está diminuindo porque o povo desenvolveu outros mecanismos de solucionar suas disputas e problemas. Neste país, a maioria das famílias têm e lêem cópias do Código Civil. Eles conhecem seus direitos e obrigações e possuem meios políticos para modificá-los. No direito criminal, também 83% dos casos são resolvidos pela Polícia na base duma instituição chamada Forelegg, em que o criminoso admite sua culpa e paga uma multa determinada pela Polícia com base na gravidade do delito. Se o crime é muito grave, o suspeito pode optar pelo processo, que pode ser de dois tipos. O sumário, quando o réu admite sua culpa e o processo é feito pelo juiz singular, que tem liberdade quase que total sobre a pena. Ele pode perdoar o culpado, encaminhá-lo a um tratamento psiquiátrico, exigir pagamento à vitima, mandar que o criminoso pare de tomar álcool, ou condená-lo à cadeia. Se o acusado não quer um processo sumário, então pode optar por um processo formal, realizado por um juiz togado e por dois leigos - o tribunal oficial, que tem o poder de absolver ou condenar segundo as leis formais do Código Penal. Somente 30% dos acusados optam por este processo, o que mostra o alto grau de confiança do povo, não só no Judiciário, mas também na Polícia, através do Forelegg.
Outra instituição jurídica, o Ministério Público, pode operar como agente de uma pequena elite dominante ou servir como força de legitimação, fiscalizando a função e o equilíbrio do processo jurídico em geral.
Esta dualidade de repressão versus legitimação é verdadeira mesmo em se tratando da Policia, que, no Brasil, é uma instituição amplamente temida por todas as classes sociais, especialmente a classe operária dos subúrbios das grandes cidades. Um temor que a própria Polícia criou enquanto agente, muitas vezes arbitrário, da elite dominante. Porém não se deve esquecer que o papel original da “Polícia” — os representantes da “polis” — era o serviço público. O agente da Polícia rural inglês, o constable, não era uma figura temida de repressão, mas um cidadão comum, eleito por um ano para fiscalizar as atividades da comunidade nos serviços públicos e para despertar o povo através de hue-and-cry — o chamado para a assistência comunitária — se fosse cometido um crime ou em caso de incêndio, especialmente à noite. Ele também tinha o poder privilegiado e único de aprisionar qualquer pessoa por crime, e era uma figura judicial importante para decidir as disputas menores e as brigas na zona rural, bem como controlar os problemas crônicos da comunidade, auxiliando os débeis mentais e os bêbados. Esta tarefa parece idílica, porém era realmente o papel do antigo policial inglês.
Esse elo legítimo entre a Polícia e a sociedade não é tão raro como se pode pensar quando se observam somente os países da América Latina. O guarda policial on the beat (no seu território) é uma figura familiar nos Estados Unidos e não é, geralmente, temido — exceto quando se é negro. (A repressão brutal nos Estados Unidos tende a discriminar a cor, embora antigamente a Polícia tenha também reprimido fortemente a formação de sindicatos.) Na verdade, na Inglaterra e no Japão, a Polícia tem um forte papel de legitimação. O policial japonês, por exemplo, mora e trabalha em seu distrito e ali conhece todas as pessoas pelo nome. Os forasteiros não são interrogados diretamente, porém estão sempre sendo observados e sua presença é informada à delegacia central, em caso de que algo fora do comum possa acontecer. Duas vezes ao ano, a Polícia local visita cada família do distrito para (geralmente) tomar chá e ouvir qualquer queixa que os cidadãos da localidade tenham contra eles ou contra os serviços do governo em geral. Tais reclamações são sempre registradas e informadas ao governo. Devido às condições criadas pelas autoridades americanas em 1945, a Polícia japonesa carrega armas de fogo. Porém, nenhum tiro foi dado deliberadamente pelos policiais em toda a cidade de Tóquio nos últimos trinta e seis anos. A Polícia japonesa não é apenas uma força de vigorosa legitimação, acredita ter um dever quase que sagrado de manter a ordem e ajudar os fracos. Os policiais agem como agentes da “polis”. Assim, há sociedades de assistência policial em todo o Japão. Tudo isso provavelmente ajuda a explicar por que a cidade de Tóquio apresenta o mais baixo índice de criminalidade no mundo. (Aqui, “crime” não significa “atividade não-legal”. Tóquio tem um sólido submundo de atividades formalmente ilegais, como a prostituição, que são abertamente toleradas pelo governo e pela Policia.) (V. Bayley, Forces and order: police behavior in Japan and the United States, 1976.)
O problema do Brasil está na própria estrutura da sociedade. Não há o que faça uma força policial ou um sistema jurídico de Estado se legitimarem se eles operam principalmente como força repressiva contra o povo, na defesa dos direitos e prosperidade de uma pequena classe dominante, ou mesmo de interesses exteriores à nação.
A antropologia, com suas pesquisas sobre a aplicação real da lei nas ruas e nas comunidades, e não nas bibliotecas e nos escritórios, pode mostrar algumas dessas contradições. A antropologia, mais do que qualquer outra ciência social, estuda as atitudes e o modo de vida do “povão”, dos camponeses, dos bóias-frias, dos trabalhadores e dos desempregados. Até os criminosos e os loucos são analisados. A pesquisa pode revelar o grau dos verdadeiros problemas do direito na sociedade e talvez dar algumas sugestões de aprimoramento. Pode ajudar a trazer ao conhecimento público uma percepção das injustiças e arbitrariedades e auxiliar os aflitos a se defenderem. No mínimo, o antropólogo deve cumprir seu antigo papel de dar voz a quem não a tem e fazer advertências sinceras sobre situações reais. Depois, como dizem os chineses, “se os imperadores não escutarem os seus censores, a dinastia cairá”.

Robert Weaver Shirley, In: “Antropologia jurídica”, São Paulo, 1987, Saraiva, 79-93

Fonte:
http://eugematil.vilabol.uol.com.br/problemas.htm